domingo, 10 de abril de 2011

À flor da pele

Apesar das dificuldades, portadores de necessidades especiais podem ter uma vida sexual ativa e feliz

Por Lucas Moura Brasil




 “Fiquei tetraplégica por causa de um ex-namorado que deu um tiro na minha coluna cervical. Devia ser muito amor, né?”, diz a aposentada Eloisa Ciampaglia (foto acima), de 41 anos e tetraplégica há 16. Casos como o dela ocorrem com frequência. São pessoas que sofrem acidentes automobilísticos ou então são vítimas de armas de fogo — balas perdidas ou tiros à queima-roupa. Muitas adquirem traumas permanentes. Além da paralisia, a perda da função sexual e lesão medular são muitas vezes associadas como uma só.

Mas se engana quem pensa que um deficiente perde a vontade de transar ou que não pode fazer sexo após a lesão. Hoje, Eloisa vive um novo amor e tem vida sexual ativa. “No começo da lesão, eu nem pensava em sexo. Perdi todos os movimentos e fiquei totalmente dependente em frações de segundos. Por isso, tive receio de outro envolvimento amoroso após a lesão. Agora, não vejo dificuldades na relação sexual, só sinto falta de poder dar mais carinho”, diz.

Mesmo sem ter a desenvoltura de antes, muitos deficientes podem, ter uma vida sexual ativa normal, mas desde que passem por adaptações. Estas dependem não só do paciente, mas também do parceiro ou parceira. A fase de aceitação da deficiência para alguns é difícil. Depois vem a fase da adaptação à nova realidade. Há dois tipos de lesão: a completa e a incompleta. Na completa a pessoa perde toda a sensibilidade da área lesada para baixo; já na incompleta o paciente pode recuperar parte dos movimentos, alguns com certa dificuldade. No caso de Eloisa, ela ficou 13 anos sem fazer sexo, por causa de crises de depressão.

Os preconceitos e tabus dificultam o acesso dos pacientes à informação e orientação adequada e específica à lesão. De acordo com a professora de fisioterapia Glaucia Magalhães, os estímulos sexuais podem variar. Dependendo do nível da lesão os estímulos podem ser por reflexo ou então visuais, auditivos, olfativo, gustativo ou então fantasias que são enviadas por impulsos do cérebro à região, por meio dos nervos da medula.

Segundo Glaucia Magalhães, o orgasmo envolve dois aspectos. O primeiro é psicológico e outro é a ejaculação, a parte motora. Num lesado medular a ejaculação muitas vezes não existe. Já no aspecto psicológico do orgasmo não há um estudo muito aprofundado sobre o assunto. A resposta sexual de um lesado pode variar e em alguns casos os seus pontos de excitação — ou zonas erógenas — também mudam. As zonas erógenas mais comuns são as partes genitais. “Há pessoas em que o ponto de excitação passa para a orelha ou para o ombro, dependendo do deficiente”, explica a professora.

Em quase 95% dos homens com lesão medular não há ejaculação e a ereção não é completa, além de ter um baixo nível de espermogênese (fertilidade) por ficar muito tempo sentado na cadeira. Atualmente, existe um tratamento por estimulação vibratória, que melhora a resposta ejaculatória e qualidade de sêmen fica mais elevada. Também existem tratamentos para que o homem tenha uma ereção melhor. Um desses é a prótese peniana, a cirurgia para a colocação de prótese no pênis e uma bomba no saco escrotal.

Outros tratamentos são o Viagra e a injeção de Papaverina, mas esta é pouco recomendada por ser perigosa. Dependendo da dosagem, o fluxo sanguíneo do pênis aumenta e deixa-o ereto por muito tempo. Em alguns casos pode levar à necrose e à amputação. Ronaldo da Rocha, de 38 anos, teve poliomielite aos 2 anos e diz que isso nunca afetou a sua vida sexual: “Para o deficiente pólio, não muda nada. A gente só não tem o movimento da área afetada, mas a sensibilidade continua a mesma igual a de um andante. Diferentemente de quem sofreu um acidente ou tomou um tiro.”

Adaptações do deficiente na hora do sexo são muitas e uma delas é a evacuação antes do ato. Por não ter o controle do intestino, e reeducá-lo às vezes leva certo tempo, antes do ato o lesado deve evacuar.

O sexo para as mulheres com deficiência é diferente dos homens. O redescobrimento do sexo para elas pode ser um pouco mais difícil, mas o dialogo com o parceiro ajuda nessa hora. Eloisa Ciampaglia explica algumas dessas mudanças na hora do sexo e a importância do dialogo. “Hoje vivo com o meu namorado há dois anos e três meses. Sempre tento sempre fazer algo diferente, porque acho que existem pessoas que preferem dar mais prazer a receber. Cobro-me muito em fazer tudo sempre melhor, não só por ser perfeccionista — pode até ser para compensar a minha deficiência.”

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