Depois do desespero, angústia e dor, a terapia ocupacional surge para dar vida nova aos portadores de necessidades especiais
Por Jessika Nobre
Carnaval de 2010. Marlene Paulo Correa, de 65 anos (foto acima), estava na casa da filha assistindo na rua a banda Ouro Verde. No momento em que foi dormir sentiu uma leve dor de cabeça e se levantou para ir ao banheiro. Antes de sair do quarto, caiu no chão. Conseguiu se levantar. Quando chegou ao banheiro, caiu de novo e bateu a cabeça na pia. Estava sofrendo um derrame — ou AVC, acidente vascular cerebral.
Como consequência, a vida de Marlene mudou drasticamente. Ela arrasta a perna esquerda e não tem força no braço esquerdo. É proibida pelos médicos de ficar sozinha e, por isso, está morando na casa de uma tia, em Santos. Não pode cozinhar, lavar e até mesmo costurar como antes fazia: “Tudo virou de cabeça para baixo, agora dependo das pessoas”. A doença da qual foi vítima é uma das que contrariam a primeira atividade que o ser humano desenvolve sozinho — a do autocuidado. Ou seja, a capacidade de resolver sem a ajuda de ninguém pequenas tarefas da vida diária, como abotoar a camisa ou a blusa ou amarrar o cadarço do sapato ou do tênis.
Quando o paciente não consegue mais fazer isso por conta própria, as técnicas da terapia ocupacional entram em ação. Uma delas é a adaptação de objetos. Dependendo do caso seria trocar o cadarço do tênis por um calçado com crepe ou a blusa de botões por uma de pressão. “Sempre há uma solução para cada problema”, diz a terapeuta ocupacional Sueli Aparecida Fukushima, profissional da área há 22 anos.
Antes de qualquer conclusão sobre o paciente, a terapeuta faz uma anamnese. Trata-se de uma entrevista para investigar e buscar dados do indivíduo, analisando o que ele precisa desenvolver a fim de eliminar o problema do qual é vítima. A entrevista se estende depois para a avaliação funcional. Nessa fase, faz perguntas para descobrir como está a memória do paciente. Só depois dessa etapa é que começam as atividades. Muitas vezes o terapeuta precisa ir à casa do paciente para verificar o que precisa ser transformado e facilitado. Neste momento, entram em cena as adaptações, elaboradas de acordo com as necessidades de cada um. “O profissional pode adaptar uma colher para que o paciente a segure, fazer um ajuste na escova de cabelo ou aplicar um gancho no zíper da calça para que ele possa fechá-lo sozinho. Assim, o doente readquire a liberdade de resolver a sua própria dificuldade sem que alguém precise fazer isso por ele”, explica.
As atividades da vida prática como cozinhar e cuidar da casa também fazem parte do trabalho terapêutico. Mesmo com as adaptações para facilitar a vida do paciente naquele momento é importante observar se ele tem a possibilidade de esticar o cotovelo. Mesmo que não use a mão para fixar qualquer coisa, o terapeuta vai trabalhar com exercícios para tentar melhorar a flexão do cotovelo. Sueli Aparecida diz que é dever do terapeuta analisar tais possibilidades para que o indivíduo não dependa exclusivamente das adaptações.
No tratamento não existe uma fórmula indicando o que trabalhar. As atividades são desencadeadas sob medida, conforme as necessidades do indivíduo. Podem ser jogos de quebra-cabeça e objetos utilizados diariamente como a tábua de carne e a escova de cabelo, todos adaptados. Ou ainda atividades artísticas. Há seis meses na terapia ocupacional, Marlene já sentiu diferença. Hoje, já pode escovar os dentes e se vestir sozinha. Puxa menos a perna esquerda e já mantém o equilíbrio. Aluna da Casa da Visão, participa ainda de oficinas de arte. Produz pinturas em tecido com copos plásticos, que são transformados em flores. Atividades como essas não exigem tanto a coordenação motora para o desenvolvimento do trabalho, mas têm grande efeito de recuperação.
Marlene faz também terapias com psicólogo, pois enfrenta uma depressão e toma remédios para controlar os transtornos psicológicos. O cigarro foi um grande colaborador para o seu drama, pois é fumante desde os 18 anos. Só parou depois de sofrer o derrame. Por causa da depressão, perdeu dez quilos após a doença. A sua esperança é que as coisas voltem a ser como eram antes. Ela ainda não aceitou o AVC: “Queria deitar hoje e amanhecer boa no dia seguinte. Este é o meu maior sonho”.
A terapia ocupacional surge sempre como esperança para o portador de necessidades especiais. Sueli Aparecida recorda de um ex-paciente com hanseníase. “Ele me disse um dia: ‘O que mais dói é que não consigo sentir a pele da minha mulher. Quando faço carinho no rosto dela não o sinto mais’. Isso me emociona até hoje”.
Crianças e brincadeiras — Segundo o terapeuta ocupacional Jean Ricardo Sampaio, a especialidade da terapia é a análise. Toda ocupação independente do déficit motor, sensorial ou intelectual do paciente deve ser analisada para adaptação ou facilitação. Terapeuta do Centro de Reabilitação Casa da Esperança, a maioria dos pacientes que atende são crianças. Para desenvolver a terapia ocupacional com elas, Sampaio desenvolve atividades com brincadeiras.
Segundo ele, o mais importante é que elas não percebem que estão aprendendo algo. Sampaio explica que a faixa etária de zero a 24 anos é o marco de desenvolvimento do ser humano. É quando as percepções, funções e habilidades estão se desenvolvendo. Já no caso da criança com deficiência, dependendo da lesão, comprometimento motor ou intelectual, o terapeuta deve interferir e sugerir atividades.
As crianças com deficiência têm o marco de desenvolvimento atrasado, por isso precisam ser estimuladas. No trabalho infantil ele estuda o brincar e o aplica nas terapias. “O brincar por si só estimula a criança”, diz Sampaio. As brincadeiras são direcionadas para cada faixa etária. Crianças de 4 anos, por exemplo, estão na fase do faz de conta e aprendem a dividir o brinquedo com outras crianças. Cabe ao terapeuta incentivar essas ações.
É automático as pessoas usarem os diminutivos como “coitadinho” quando se referem às crianças deficientes. Sampaio explica que o terapeuta tem o papel de educar os pais, ensiná-los a conversar com o filho e também experimentar vivências com ele: “A crença de que a criança deficiente não tem capacidade é falsa, pois não sabemos o que esta criança pode fazer, mesmo com as suas dificuldades. De repente, ela faz uma leitura somente com os olhos. No momento em que chega a letra com a qual quer montar a palavra, ela pisca”, explica o terapeuta.
O terapeuta analisa a situação presente, a fim de prevenir e facilitar. Os exercícios aprendidos e praticados nas terapias também devem ser realizados em casa, pois o tempo utilizado nas aulas não é o bastante para a rápida recuperação do paciente. Geralmente, as terapias ocupacionais ocorrem duas vezes na semana, uma ou duas horas por aula. Se o paciente não praticar os exercícios em casa não obterá bons resultados. Nesse momento, a presença da família é muito importante.
A terapia ocupacional - Nesta terapia não existe um tipo de atividade específica para os pacientes, mas sempre deverão ser voltadas para as mãos e braços. No atendimento, o terapeuta deverá fazer uma análise do portador de necessidades especiais para identificar o que ele precisa. Somente após essa análise ele poderá saber o que realmente é necessário ser trabalhado com o deficiente.
Os terapeutas participam da vida do deficiente, pois precisam adaptar suas necessidades. Eles estarão sempre procurando uma nova forma de ensinar a pentear o cabelo, escovar os dentes, dirigir e até mesmo trabalhar. Mesmo achando que nunca mais poderá abotoar o zíper da sua calça, o terapeuta estudará um jeito de você fazer sozinho esta atividade.
Se o paciente não tem condições de ir até o terapeuta, o profissional deverá visitá-lo e desenvolver todas as atividades necessárias para o tratamento terapêutico. Nas aulas o profissional poderá utilizar os objetos de uma casa, pois a intenção é que o indivíduo possa efetuar as atividades básicas para a sua vida. Ou fazer uso de cones, bolas, objetos de sensibilidade entre outros (foto acima).
Todas as atividades devem ser feitas com atenção, o profissional devem estar atentos a todos os movimentos do paciente, para que ele não os faça de forma errada e assim piore a sua coordenação motora ou até mesmo dificulte uma possível recuperação deste indivíduo.
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