domingo, 10 de abril de 2011

Sob medida

A partir de agora, sua prótese é sua melhor amiga, e deve ser comprada sob orientação profissional

Por Thaís Moraes



Acordou no hospital. Depois de oito dias em coma, a mãe de duas meninas, uma com quatro anos e a outra com um ano e meio, sabia que, àquela altura, aos 27 anos, teria de aprender tudo outra vez. Mônica estava parada numa calçada da Zona Leste de São Paulo, no Tatuapé. Veio um carro, bateu na traseira da motocicleta e a jogou longe. Seu corpo então caiu sobre o seu tornozelo esquerdo, o que provocou uma fratura exposta. Foram 38 dias no hospital e três cirurgias. A primeira foi para a colocação do Illizarov — o aparelho conhecido como gaiola, que auxilia no tratamento desse tipo de ferimento. Infelizmente, não deu certo. Teve a perna esquerda amputada, abaixo do joelho.

Oito anos depois do acidente, a dona de casa Mônica Sotero da Silva está na Clínica de Fisioterapia da Universidade Santa Cecília para a sua primeira consulta em Santos, depois que se mudou com a família para a Praia Grande. Essa é a terceira prótese. A primeira veio com muito custo. “Depois que fui pra casa, fiz oito meses de fisioterapia. A amputação não foi bem-sucedida. Voltei para o Hospital das Clínicas para fazer outra porque o coto não foi bem feito. A cirurgia que fiz para enxertar pele, não serviu para nada”, diz.

Depois de quatro meses, com a ajuda da fisioterapia, recuperou a liberdade de movimentos. Passou a utilizar uma prótese, presente de sua fisioterapeuta. “Agradeço muito a ela, me incentivou a viver, me dava força e bronca também”, lembra. Mônica é mais um caso de jovens que tiveram a rotina e hábitos mudados devido à nova condição imposta pela vida.

Prótese O que é? É a substituição de um órgão ou parte do corpo por uma peça artificial. A prótese pode ser um recomeço, uma nova chance e até se tornar uma amiga inseparável. As primeiras próteses eram feitas de madeira — lembra do pirata da perna de pau? — couro e alumínio. Eram pesadas e não davam tanta mobilidade. Mesmo assim, representou uma nova alternativa àqueles que por acidente ou doença perderam um órgão importante para a locomoção e mobilidade.

Nem todos os amputados podem utilizar a prótese. Aqueles que têm cotos mal trabalhados cirurgicamente ou que sofreram um grande trauma no acidente não conseguem usá-la. Problemas circulatórios graves também impedem o uso da prótese. É o caso da tromboangeíte obliterante, doença que consiste na obstrução e inflamação dos vasos sanguíneos de mãos e pés. Após a amputação, o ideal é o paciente iniciar a fisioterapia para ganhar condições de utilizar a prótese, seja o membro amputado superior ou inferior.

O tempo de preparação depende de cada paciente. Cada um tem a sua hora, força de vontade e condição física. Idosos, por exemplo, demoram mais para adaptar o coto. O nível de amputação também interfere. Se a lesão for abaixo do joelho, a mobilidade é mais fácil.

As próteses de alumínio são leves e suportam pesos até 75 quilos. Acima disso, podem não durar muito e até romper. Já o aço se encontra no mesmo nível do alumínio, também é mais barato, mas com um detalhe: deixa a prótese mais pesada. O titânio é indicado para pessoas com até 130 quilos, o material também é leve, mas um pouco mais caro. A fibra de carbono aguenta bastante peso, mas o preço não é dos mais baratos.

Em crianças, a prótese é feita para que possa ser reaproveitada por um tempo, já que estão em processo de crescimento. A altura e o encaixe vão sendo modificados de acordo com a necessidade. Quando o paciente engorda ou emagrece significativamente o coto também sofre alteração. Neste caso, a prótese precisa ser ajustada. Para usar as próteses, qualquer que seja o peso, o paciente necessita de força. É como carregar um peso de ginástica em toda a caminhada. O processo envolve enfaixamento do coto, no qual são colocadas faixas para modelá-lo. Durante a fisioterapia é feito um processo de fortalecimento, não só no lado afetado, mas também no membro saudável. Já os membros superiores são trabalhados para que a muleta seja adaptada com mais facilidade. Alongamentos, exercícios de equilíbrio e coordenação são alguns dos métodos utilizados para melhorar a condição global do paciente.

Quando a amputação é no membro superior, a função da prótese é mais estética. Isso porque os movimentos são limitados. Faz-se abertura e fechamento com os quatro dedos ao mesmo tempo e o polegar, assemelhando-se a um movimento de pinça. Colocar prótese de braço também leva em consideração vários fatores. De acordo com a fisioterapeuta, se o paciente for destro ou canhoto por exemplo. Quando a amputação ocorre no lado que a pessoa mais utiliza, certamente será mais útil para auxiliar nas atividades da vida diária.


Erica Teixeira da Silva (foto acima), de 33 anos, sofreu trombose no braço esquerdo. No início, os médicos achavam que se tratava de reumatismo e deram o tratamento específico para a doença: “Eu tinha dor no braço e na mão, amortecia e perdia um pouco a cor, depois tudo voltava ao normal”. Quando a doença foi descoberta de fato, já era tarde. Duas cirurgias foram feitas para desobstruir a artéria, mas não deram resultado. Foi então que na terceira operação, o braço esquerdo teve de ser amputado.

Erica diz que aceitou a nova condição, pois não suportava a dor que a trombose causava. Ela é destra e hoje tem tudo adaptado em sua casa. Os objetos agora estão em níveis mais baixos, pois para Erika, o ato de pegar as coisas no alto a desequilibra. ”No começo tudo é difícil, mas agora já faço tudo sozinha, menos faxina que é muito pesado”.

Joelho computadorizado — A tecnologia utilizada nas próteses vem crescendo. Alguns países como Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos estão avançados nessa área. Hoje, a prótese mais sofisticada para membro inferior possui um joelho computadorizado, com um microprocessador. O joelho é programado para exercer várias atividades como caminhar, correr, subir e descer rampas, descer ou subir escadas, regular velocidades etc. O técnico responsável pela prótese vai programá-la para que esta se adeque melhor ao paciente.

Quando um movimento é feito, como o de subir um degrau, o paciente para e pensa no que vai fazer. Com o joelho computadorizado isso não é preciso. Sensores localizados no calcanhar detectam o tipo de solo em que se está pisando e transmitem sinais para que o joelho atue por conta própria. Apesar de ser o que há de mais moderno na área, vale lembrar que independentemente da prótese utilizada, o coto deve estar pronto e apto a recebê-la.

Já com os outros modelos de joelho — o tipo hidráulico, que funciona com óleo; o pneumáutico, com sistema de ar, e o mecânico, com molas —, o paciente pensa no movimento que será executado. Mas com o tempo o deslocamento se torna mais automático.
Em termos de prótese superior a prótese mioelétrica é uma das mais sofisticadas. O paciente não precisa usar sua força física para movimentá-la. Tudo isso é feito com a ajuda da energia elétrica.

Onde adquirir as próteses  A Casa da Esperança, em Santos, é um centro de reabilitação para deficientes físicos e mentais que existe desde 1957. A entidade mantém um laboratório de prótese e órtese que atende a maioria dos casos na Baixada Santista.

Milton Braz da Silva é o encarregado da oficina ortopédica que conta com uma equipe de oito funcionários. “O nosso preço aqui é menor do que na maioria dos lugares, pelo fato de aqui ser uma entidade que não visa o lucro”, explica.

Silva explica que a escolha de utilizar uma prótese revestida ou não fica a critério do paciente. Os jovens preferem, normalmente, as próteses sem revestimento, já os idosos preferem o revestimento na parte tubular. Mas independentemente da escolha o preço é o mesmo. O modelo mais barato fornecido pelo centro custa em torno de R$ 2 mil. Já a mais cara pode chegar a R$ 75 mil. No entanto, próteses com esse valor não são vendidas porque os pacientes não têm um poder aquisitivo tão elevado. Em média, o preço das próteses vendidas fica entre R$ 2 mil e R$ 8 mil.

Isso não quer dizer que uma prótese tem de ser cara para funcionar. Elas devem atender às necessidades específicas de cada paciente, o fato de ser caro não significa ser melhor para aquela pessoa. 

Depois que o paciente está preparado e a prótese encontra-se confeccionada, ocorre o processo de habilitação dos usuários. Todo o trabalho pode durar de seis meses a um ano. Isso porque aprender a andar com a prótese é uma parceria entre o fisioterapeuta e o protético que pode fazer ajustes se for necessário. Não é do dia para a noite que isso acontece.

Quanto aos calçados, se o paciente calça 40, o número do pé artificial também será número 40, sendo possível usar os mesmos calçados antes da amputação. As mulheres também têm a opção de utilizar um pé próprio para salto alto, é só apertar um botão lateral que regula a altura de zero a seis centímetros.

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